Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    A mídia tendenciosa

    há 12 anos

    Noeval de Quadros

    Se uma mesma pessoa, durante uma semana, lesse de manhã quatro jornais diferentes e ouvisse três noticiários de rádio diferentes; à tarde, freqüentasse duas escolas diferentes, onde os mesmos cursos estariam sendo ministrados; e, à noite, visse os noticiários de quatro canais diferentes de televisão, comparando todas as informações recebidas, descobriria que elas "não batem" umas com as outras, que há vários "mundos" e várias "sociedades" diferentes, dependendo da fonte de informação.

    Uma experiência como essa criaria perplexidade, dúvida e incerteza. Mas as pessoas não fazem ou não podem fazer tal experiência e por isso não percebem que, em lugar de receber informações, estão sendo desinformadas. E, sobretudo, como há outras pessoas (o jornalista, o radialista, o professor, o médico, o policial, o repórter) dizendo a elas o que devem saber, o que podem saber, o que podem e devem fazer ou sentir, confiando na palavra desses "emissores de mensagens", as pessoas se sentem seguras e confiantes, e não há incerteza porque há ignorância.

    Os dois parágrafos acima são extraídos quase literalmente da obra "Convite à filosofia", de Marilena Chauí (Editora Ática), capítulo 3, no subtítulo "A verdade".

    A imprensa e, de resto, todos os órgãos de comunicação, têm, de fato, uma importância fundamental na construção dos valores democráticos. Por isso mesmo, devem ser livres. Livres e responsáveis.

    O profissional da mídia, para ser responsável, deve checar muito bem toda notícia que pública ou edita. Em casos polêmicos, embora não lhe caiba fazer o julgamento do que está certo ou errado, deve publicar a versão de todas as partes envolvidas, deixando ao receptor da mensagem decidir sobre qual aquela em que se encontra a verdade.

    Não é isso o que acontece, no mais das vezes. Insuflado por uma necessidade de seguir o perfil político ou econômico do veículo de comunicação a que pertence, o profissional geralmente pública aquilo que ele pode ou o em que ele acredita, e desse modo acaba passando ao público mais desinformação do que esclarecimento.

    Nem vou ao cúmulo de exigir que o profissional busque a verdade, já que até mesmo para aqueles que têm a obrigação legal de "dizer" o que é a verdade, ela não é fácil de encontrar.

    Os órgãos de informação mais respeitáveis não desdenham da capacidade de pensar, nem da inteligência das pessoas. Não lhes dizem o que têm de acreditar ou fazer. Como afirma a autora da obra citada, "quando vemos o modo como os meios de comunicação funcionam, podemos perguntar se ‘1984' é uma simples ficção, ou se realmente existe, sem que o saibamos".

    1984 é o romance escrito por George Orwell, que descreve uma sociedade totalitária na qual, todos os dias, os fatos reais são omitidos ou modificados em narrativas ou relatos falsos, apagados da memória ou da história como se nunca tivessem acontecido, tudo de acordo com o Ministério da Verdade, que diz aquilo em que as pessoas devem acreditar.

    O articulista, ou o repórter, que busca informar não orienta a notícia de acordo com os interesses ou ideologias, seus ou do veículo a que serve. Ele procura as muitas versões do fato, dá a oportunidade da dúvida e não subestima a capacidade que o povo tem de tirar as suas próprias conclusões. Ele deixa ao público escolher a versão mais coerente, dentre todas as possíveis. Não limita a informação ao seu campo restrito, pessoal, de visão. Não incita o descrédito nas instituições.

    Quando porém o órgão de comunicação quer monopolizar as opiniões, alimentar os preconceitos ou fomentar opiniões pré-estabelecidas, ele dita aquilo como verdadeiro, porque sabe que, de ordinário, as pessoas não têm meios ou tempo para avaliar o que recebem.

    É assim que se plantam as notícias tendenciosas. É assim que se busca separar o joio do trigo, e divulgar apenas o joio.

    No caso da aquisição dos veículos Hilux para uso da Corregedoria e da Presidência, a forma como o jornal Gazeta do Povo vem tratando do assunto, levou vários leitores a dizer que pensavam "desses senhores" (os dirigentes do TJ) "coisas impublicáveis". É flagrante que a opinião pública está sendo conduzida de modo equivocado. O jornal deveria ter publicado na íntegra a explicação do TJ, de que houve recente perda de vida de três funcionários na estrada, de quantas pessoas viajam a serviço da Corregedoria e da Presidência, de que mais de 900 juízes, 1000 agentes delegados e 160 comarcas têm de ser fiscalizados, de quais são os benefícios advindos para a população dessa fiscalização, de que veículos com as mesmas características são utilizados também por outros tribunais. Mas não. Limitou-se a escolher um trecho da justificativa da Corregedoria que, fora do contexto, diz muito pouco (Gazeta do Povo, edição de 3/10/2012).

    No início do ano, o mesmo jornal publicou uma notícia bombástica, com o título "Dois em cada três corregedores do país já foram investigados pelo CNJ". Disse que dos 28 corregedores estaduais, 18 estavam sendo investigados. E que dos 5 corregedores dos TRFs, 3 estavam sob investigação (Gazeta do Povo, edição de 1º de fevereiro de 2012). Era uma notícia inverídica, plantada por quem tinha interesse em ver decidida pelo STF em favor do CNJ a ADIn 4.638, que questionava os poderes concorrentes de investigação contra juízes.

    Se essa notícia fosse verdadeira, a OAB e a sociedade em geral deveriam estar hoje questionando o CNJ sobre o resultado dessas "investigações", porque a questão seria extremamente séria. Mas era uma notícia distorcida, que procurava desqualificar o trabalho das corregedorias locais, às vésperas do julgamento em Brasília. O resultado, todos sabem. Quando solicitada a retificação da informação, o jornal respondeu que só poderia fazê-lo caso a retificação partisse do CNJ ou da OAB nacional, que divulgara a notícia. Deixou, portanto, de ouvir o Presidente do Colégio de Corregedores, que era parte interessada. Tanto era um factóide que logo depois da votação no STF, nunca mais se tocou no assunto.

    Mentiras repetidas mil vezes viram verdades, ensinou Joseph Goebbels, enquanto comandou a máquina de propaganda nazista, por isso apressei-me em restabelecer a verdade no artigo "Corregedor-Geral contesta a notícia de que dois entre três corregedores já foram investigados", publicado no site do TJ. Mas essa informação o jornal simplesmente ignorou porque não lhe interessava esclarecer a opinião pública.

    Em julho de 2012, a Presidenta Dilma Roussef sancionou a Lei nº 12.694 com o objetivo de garantir maior segurança aos magistrados, entendendo que o atentado à vida de um juiz é um atentado à democracia. Mas quando a imprensa insufla, com meias palavras ou com notícias inverídicas, a revolta da população contra o seu Judiciário, está indo frontalmente contra o objetivo da lei e deve responder por isso.

    Os meios de comunicação têm tido um papel de extrema relevância na luta contra os desmandos e a corrupção. O poder que detêm é muito grande. Resta à mídia provar que está preparada para esse serviço. Por isso mesmo, precisa amadurecer na mesma proporção a sua responsabilidade em alimentar de forma correta a informação, para que não se perca pelo entusiasmo de publicar apenas aquilo que interessa ao departamento comercial, ou só o que é ruim, nefasto, tendencioso, cinzento. Essa espécie de desinformação também chega à saturação

    Noeval de Quadros é Corregedor-Geral da Justiça do Paraná

    • Publicações7531
    • Seguidores1174
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1096
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-midia-tendenciosa/100111614

    Informações relacionadas

    Erga Pfizer, Procurador e Advogado Público
    Artigoshá 7 anos

    A parcialidade da mídia em tempos modernos

    Amorim Sangue Novo, Jornalista
    Artigoshá 6 anos

    Espalhar boatos ou notícias falsas nas redes é crime

    OAB - Seccional São Paulo
    Notíciashá 6 anos

    É tempo de debatermos os limites da mídia

    João Lopes, Gestor Público
    Notíciashá 9 anos

    Mídia e democracia na encruzilhada

    Direito Legal
    Notíciashá 9 anos

    A desinformação na mídia

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)