6 de Julho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Décima Primeira Câmara Cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.554.964-1 – VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – SEÇÃO CÍVEL - DA COMARCA DE PALOTINA
APELANTE: W. K.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATORA: JUÍZA DE DIREITO SUBST. 2º GRAU LUCIANE R.C. LUDOVICO (EM SUBSTITUIÇÃO AO DESEMBARGADOR DALLA VECCHIA)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 81, II E 258-C DO ECA. VENDA DE BEBIDA ALCOÓLICA A MENOR. IMPOSIÇÃO DA MULTA. VERACIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO NÃO AFASTADA. DEPOIMENTO DO ADOLESCENTE. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.554.964-1, da Vara da Infância e da Juventude de Palotina, em que é Apelante W. K., e Apelado Ministério Público do Estado do Paraná.
1. RELATÓRIO
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por W. K., em face da r. sentença proferida nos autos de Ação de Representação por Infração Administrativa nº 000349437.2015.8.16.0126, pela qual o MM. Juiz a quo julgou procedente o pedido do Ministério Público para o fim de condenar o representado W. K. ao pagamento de multa, fixada em R$4.000,00 (quatro mil reais), com prazo para pagamento de 60 dias (mov. 45.1).
Em suas razões (mov. 180.1), o Apelante J.F.C. alega, em síntese que a) não existe prova efetiva de que o recorrente ou alguém no estabelecimento tenha realizado a venda da bebida para o menor, faltando assim justa causa para o exercício da representação administrativa, bem como o cerceamento de defesa; b) a acusação se pautou apenas na declaração do adolescente no gabinete da Promotoria, sem que estivesse presente a defesa para operar o contraditório e sem que o menor fosse ouvido em juízo novamente.
O recurso foi recebido em seu duplo efeito (mov. 185.1).
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.º 2.200-2/2001, Lei n.º 11.419/2006 e Resolução n.º 09/2008, do TJPR/OE
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Décima Primeira Câmara Cível
Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (mov. 183.1).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso (mov. 10.1).
É, em síntese, o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO E VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, o recurso deve ser conhecido.
Trata-se, na origem, de ação de representação por infração administrativa ajuizada pelo Ministério Público em face de W. K, pela prática de ato infracional de venda e fornecimento de bebida alcoólica à adolescente.
A Promotoria de Justiça representou contra o estabelecimento KM Bar após receber ofício do Hospital Municipal Prefeito Quinto Abrão Delazeri, informando o atendimento do menor J. P. S. O., à época com 14 anos, por uso abusivo de álcool. O fato teria ocorrido em 12 de junho de 2015, por volta das 22h, no supracitado local.
No relatório do atendimento (mov. 1.3, fls. 2), o médico informou que o “Menor relata história de briga no bar. Apresenta lesão e edema na região da face e supercílio lado direito. Visivelmente embriagado”, documento este elaborado na madrugada do dia 13 de junho de 2015, mais precisamente às 04h20.
É fato incontroverso que o menor ingeriu bebida alcóolica. Portanto, a controvérsia diz respeito ao lugar onde o adolescente teria bebido e à responsabilidade do representado, na condição de proprietário do estabelecimento, eis que o adolescente e sua genitora afirmam que o fato se deu em seu bar.
Em seu recurso, o Apelante alega que não existe prova efetiva de que ele ou alguém no estabelecimento tenha realizado a venda da bebida ao menor, faltando, assim, justa causa para o exercício da representação administrativa, bem como alega o cerceamento de defesa. Sustenta, também, que a acusação se pautou apenas na declaração do adolescente no gabinete da Promotoria, sem que estivesse presente a defesa para operar o contraditório e sem que o menor fosse ouvido em juízo novamente.
Não assiste razão ao recorrente.
O artigo 81 1 , inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a venda à
1 Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de: (...) II - bebidas alcoólicas; (...).
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.º 2.200-2/2001, Lei n.º 11.419/2006 e Resolução n.º 09/2008, do TJPR/OE
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Décima Primeira Câmara Cível
criança ou ao adolescente de bebidas alcoólicas. No dispositivo, o legislador se acautela tendo em vista o efeito de dependência que a bebida pode causar a quem a está consumindo.
Já o artigo 258-C 2 , também do ECA, prevê que o responsável pelo estabelecimento que descumprir a proibição supra deverá pagar multa de três a dez mil reais.
Em seu depoimento o Representado alegou que não teve conhecimento do fato, aduzindo que é caminhoneiro e quem cuida do estabelecimento é a sua filha, tanto que assinou procuração lhe dando poderes para cuidar do bar.
Já a testemunha do juízo, E. I. K., filha do Representado, sustentou que na data do fato estava com seu filho atendendo o bar; que sempre pede identidade e não vende álcool, nem energético para menores; que é funcionária registrada do pai; que o pai não atende, não sabe o dinheiro do caixa; que possui procuração para que seja gerente; que o pai não possui poderes de gerência, vez que está sempre na estrada, já que é caminhoneiro; que nem conhece o menor; que já aconteceu de outro menor agredir e xingar a depoente, porque esta não quis vender bebida alcóolica para ele; que se nega a vender bebida para menores; que não tem briga, nem confusão em sua loja; que durante a semana o bar funciona semanalmente até meia noite, aos sábados até 3h da manhã e aos domingos até 1h, conforme alvará; que a testemunha J. P. estava lá no dia do fato e não se recorda que horas a cliente saiu; que a depoente e seu filho pedem a carteira de identidade de quem eles desconfiam que seja de menor, “só pra quem é de menor, que já tem os meus clientes que são de maior, a gente vê pela pessoa, eu trabalho há anos, eu sei como é que é”, “a gente sabe que é de menor, moro aqui há 45 anos”; que só pede identidade para quem é “de menor”.
A testemunha do juízo, J. P, afirmou que estava presente no dia e local do fato; que recebeu uns amigos de Curitiba e que foram até lá; que costuma frequentar o local nas sextas e sábados; que estava acompanhada de Pablo e seu filho; que não viu outros adolescentes lá; que lembra desse dia porque era dia dos namorados; que quem atende é a Beth e o Rodrigo, e que nunca viu o Representado no estabelecimento; que não conhece o menor; que recentemente presenciou uma situação em que um rapaz derrubou uma cadeira porque ela não lhe queria vender bebida alcoólica; que no dia do fato ficou lá até meia noite, uma hora da manhã; que foi embora e o bar continuou aberto; que enquanto esteve lá não presenciou nenhuma briga.
M. O., também testemunha do juízo, afirmou que trabalhava para a filha do Representado; que não tem conhecimento do fato; que só transporta as bebidas; que no dia do fato tinha poucas pessoas lá e no dia seguinte também; que não lembra se tinha menor e que ela sempre pede documento; que não conhece o menor; que no dia dos fatos estava trabalhando no local e que nunca
2 Art. 258-C. ECA. Descumprir a proibição estabelecida no inciso II do art. 81:
Pena - multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
Medida Administrativa - interdição do estabelecimento comercial até o recolhimento da multa aplicada.
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.º 2.200-2/2001, Lei n.º 11.419/2006 e Resolução n.º 09/2008, do TJPR/OE
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Décima Primeira Câmara Cível
houve nenhuma briga; que trabalha às sextas, sábados e domingos.
A genitora do menor I. C. S. alegou que ele foi levado até o hospital, mas não estava junto e só foi saber do ocorrido no outro dia; que o filho comentou que bebeu no KM Bar; que às vezes ele vai no KM, mas não sabe dizer se ele costuma ingerir bebida alcóolica no local; que o menor não disse quem vendeu a bebida; que o filho apenas disse que tinha comprado uma garrafa de vodca, bebido, brigado, e que foi socorrido e levado para o hospital; que não costuma ficar embriagado; que só lhe disse que estava bebendo vodca; que o filho trabalha, tem dinheiro próprio e que não é de “bebedeira”.
Constata-se a oitiva informal do adolescente que afirmou, expressamente, ter comprado bebida alcóolica no local. Extrai-se termo de declaração firmado pelo menor, assistido pela genitora, I. C. S. (mov. 1.9):
Da análise dos autos, tem-se que não há como afastar a responsabilidade do Apelante. Embora os funcionários tenham negado o acontecimento e afirmado de forma veemente que nunca vendem álcool ou energético a menores, o depoimento da genitora em juízo e o relato do adolescente junto ao gabinete da Promotoria são convincentes e justificam a decisão proferida pelo M. M. Juiz a quo.
No mais, conforme bem pontuado pelo magistrado singular, quanto às demais testemunhas, in verbis, “não olvido que tenham negado o fato. Sucede que, seja por receio de eventual punição (como no caso do menor), seja em defesa de interesse próprio, as declarações de tais pessoas não merecem maior credibilidade”.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL - ECA - ADOLESCENTES EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL "DANCETERIA" -AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS LEGAIS - VENDA DE BEBIDA ALCOÓLICA NO RECINTO - AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO NA ENTRADA DOS MENORES DE IDADE - CONSELHO TUTELAR NOTICIOU O MINISTÉRIO PÚBLICO - PROVAS CONTUNDENTES ACERCA DA INFRAÇÃO - OITIVA INFORMAL - RESPONSABILIDADE DOS PROPRIETÁRIOS - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 12ª C.Cível - AC - 976479-8 - Ivaiporã - Rel.: João Domingos Kuster Puppi - Unânime - - J. 14.08.2013).
APELAÇÃO CÍVEL - INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA ÀS NORMAS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - VENDA DE BEBIDA ALCOÓLICA À CRIANÇA E ADOLESCENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 81 E 243 DA LEI 8.069
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.º 2.200-2/2001, Lei n.º 11.419/2006 e Resolução n.º 09/2008, do TJPR/OE
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Décima Primeira Câmara Cível
(ECA)- PENA DE MULTA FIXADA EM OITO SALÁRIOS DE REFERÊNCIA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 12ª C.Cível - RA - 410388-0 - Tibagi - Rel.: Clayton Camargo - Unânime- - J. 17.10.2007).
Alega o Apelante, ainda, que houve cerceamento de defesa, eis que o adolescente não depôs em juízo e não fora contraditado.
Também não lhe assiste razão.
De fato, verifica-se que o adolescente não depôs em juízo, mas o Réu também não se manifestou a respeito, apenas impugnou em contestação (mov. 12.1), de forma genérica, os depoimentos reduzidos à termo pelo Ministério Público (mov. 1.9).
Abriu-se prazo para que as partes especificassem provas a produzir (mov. 18.1), todavia, o próprio Apelante, que agora levanta a tese de cerceamento de defesa, manifestou-se no sentido de pedir o cancelamento da audiência para que fossem aproveitados os depoimentos colhidos em audiência de instrução e julgamento dos autos n.º 3594-22.2015.8.16.0126 (mov. 28.1).
Já sabia o Apelante que o adolescente não havia comparecido àquela solenidade e nada requereu. Há, pois, a ocorrência da preclusão.
A preclusão está relacionada à perda da oportunidade de praticar determinado ato processual, devido à inércia da parte:
Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.
Segundo LUIZ GUILHERME MARINONI, “... a preclusão consiste – fazendo-se um paralelo com figuras do direito material, como a prescrição e a decadência – na perda de “direitos processuais”, que pode decorrer de várias causas. Assim como acontece com o direito material, também no processo a relação jurídica estabelecida entre os sujeitos processuais pode levar à extinção de direitos processuais, o que acontece, diga-se, tão freqüentemente quanto em relações jurídicas de direito material. A preclusão é o resultado dessa extinção, e é precisamente o elemento (aliado à ordem legal dos atos, estabelecida na lei) responsável pelo avanço da tramitação processual. ”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento, cit., p. 665.)
No caso, a parte poderia ter pedido o depoimento do adolescente em juízo, mas seu silêncio acarretou a preclusão. No mais, o depoimento do filho, reduzido à termo pelo Ministério Público, somado ao da mãe, colhido em juízo, são suficientes para fundamentar a decisão recorrida.
Diante do exposto, o voto é pelo conhecimento e desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.
3. ACÓRDÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.º 2.200-2/2001, Lei n.º 11.419/2006 e Resolução n.º 09/2008, do TJPR/OE
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Décima Primeira Câmara Cível
Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da relatora.
A Sessão foi Presidida pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Lenice Bodstein (sem voto), e acompanharam o voto da Relatora os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Mario Nini Azzolini e Sigurd Roberto Bengtsson.
Curitiba, 08 de fevereiro de 2017.
Juíza Subst. 2º G. LUCIANE R.C.LUDOVICO
Relatora
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.º 2.200-2/2001, Lei n.º 11.419/2006 e Resolução n.º 09/2008, do TJPR/OE